Footing
“Footing representa o alinhamento, a postura, a posição, a projeção do “eu” de um participante na sua relação com o outro, consigo próprio e com o discurso em construção.” (GOFFMAN in RIBEIRO e GARCEZ, 2002, p. 107)
É então a mudança no alinhamento que os participantes de uma conversa assumem para eles mesmos e para demais pessoas presentes na situação.
Alternância de códigos
Para exemplificar o processo de alternância de códigos são apresentadas algumas situações cotidianas:
O caso Nixon
Em 1973, durante a realização de um ritual político na Casa Branca, o presidente americano Richard Nixon, fez uma brincadeira com uma jornalista que realizava a cobertura do ato.
WASHINGTON (UPI) – O Presidente Nixon, um cavalheiro à moda antiga, resolveu caçoar de uma jornalista que usava calças compridas na Casa Branca, deixando bem claro que prefere vestidos.
Após a cerimônia de assinatura de um documento no Salão Oval, o Presidente levantou-se de sua mesa de trabalho e, em tom de gracejo, dirigiu-se a Helen Thomas da UPI: “Helen, você continua usando calças compridas. É o que você prefere mesmo? Quando eu vejo moças usando calças compridas, me lembro da China”.
Helen Thomas, um tanto desconcertada, disse ao Presidente que as chinesas estavam passando a usar roupas cada vez mais ocidentais.
“Isto não é uma crítica, mas às vezes as calças compridas ficam bem para algumas pessoas, e não para outras.” Apressou-se em acrescentar, “mas acho que caem bem em você. Dê uma voltinha.”
Enquanto Nixon, o Ministro da Justiça, Elliott L. Richardson, o diretor do FBI, Clarence Kelley, e outros altos funcionários da Justiça sorriam, Helen Thomas fez uma pirueta para o Presidente. Ela usava calças brancas, camisa de malha azul marinho, colar de contas brancas e sapatos debruados de vermelho.
Nixon perguntou a Helen Thomas o que o marido da jornalista, Douglas Cornell, achava desse hábito de usar calças compridas.
- Ele não se importa – ela respondeu.
- As calças são mais baratas que os vestidos?
- Não – disse Helen Thomas.
- Então mude – determinou o Presidente, com um sorriso largo e malicioso, enquanto os outros repórteres e cinegrafistas caíam na gargalhada. (The Evening Bulletin, Filadélfia, 1973).
É possível observar que no exemplo há uma mudança de código, no momento em que o presidente faz uma piada sobre a vestimenta da jornalista, que até então apresentava uma postura séria como a sua função no momento exigia. A partir do momento em que a brincadeira é feita, há uma mudança na forma como Helen se expressa, pois ela não estava esperando por isso.
Pelo fato de a situação ocorrer na década de 70, época em que as mulheres tinham menos reconhecimento no mercado de trabalho, e pela piada ter sido feita por uma figura de grande poder (o presidente dos Estados Unidos), a jornalista, embora podendo estar sem graça ou ofendida, reagiu de forma comportada ao gracejo. No entanto, em uma situação mais informal, a reação da profissional poderia ter sido outra.
Ritual de Interação
Gumperz (1976) afirma que o código está presente em quase todas as instâncias da vida conversacional. O autor classifica essas alterações da seguinte forma:
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Discurso direto ou indireto;
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Seleção de interlocutor;
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Interjeições;
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Repetições;
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Franqueza pessoal ou envolvimento;
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Informação nova ou velha;
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Ênfase;
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Separação de tópico e sujeito;
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Tipo de discurso (ex: palestra e discussão).
Footing
Ao processo de mudança de código, Goffman dá o nome de Footing. Nas palavras do autor, ao ocorrer o footing “ [...] há uma mudança no alinhamento que assumimos para nós mesmos e para os outros presentes, expressa na maneira como conduzimos a produção ou a recepção de uma elocução.” (in RIBEIRO e GARCEZ, 2002).
Ainda de acordo com Goffman, o footing pode se dar das seguintes formas:
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O alinhamento, ou porte, ou posicionamento, ou postura, ou projeção pessoal do participante está de alguma forma em questão.
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A projeção pode ser mantida através de um trecho de comportamento que pode ser mais longo ou mais curto do que uma frase gramatical, de modo que a gramática frasal não será de grande ajuda, embora pareça claro que alguma forma de unidade cognitiva está minimamente presente, talvez uma “oração fonêmica”. Estão implícitos segmentos prosódicos, não segmentos sintáticos.
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Deve ser considerado um continuum que vai das mais evidentes mudanças de posicionamento às mais sutis alterações de tom que se possa perceber.
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Quanto aos falantes, a alternância de código está comumente presente e, se não está, estarão presentes ao menos os marcadores de som que os linguistas estudam: altura, volume, ritmo, acentuação e timbre.
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É comum haver, em alguma medida, a delimitação de uma fase ou episódio de nível “mais elevado” da interação, tendo o novo footing um papel liminar, servindo de isolante entre dois episódios mais substancialmente sustentados.
Para entendermos melhor o conceito de footing, Goffman recomenda a desconstrução dos conceitos de falante e ouvinte, para que possamos chegar em uma base estrutural da ideia.
O ouvinte
Os ouvintes podem acompanhar o discurso de um falante de diferentes formas, intencionalmente ou não, dependendo do cenário em que a situação se dá. Goffman classifica os tipos de ouvinte.
Ouvinte endereçado: é aquele para quem o falante direciona a conversa, não apenas pela voz, mas também fazendo o uso do olhar, gestos, etc.
Ouvinte não-endereçado: quando um falante conversa com um grande grupo, como um professor em uma sala de aula, ou um palestrante para sua plateia, dá pistas de que está se dirigindo apenas a uma pessoa, os demais passam a ser ouvintes não-endereçados. Pessoas que compõe a plateia de um programa de TV ou que assistem a um júri também são exemplos de ouvintes não-endereçados.
Ouvinte por intromissão: nesse caso, o ouvinte tem interesse em saber o que um falante está dizendo e por isso adota táticas para ter acesso ao discurso, como ouvir por trás da porta, por exemplo.
Ouvinte por acaso: o ouvinte por acaso é aquele que escuta uma conversa que não é direcionada a si por acaso, simplesmente por estar no mesmo ambiente que o falante, por exemplo. É comum ainda que o ouvinte por acaso capture apenas fragmentos da fala, não tendo a clareza das informações que teria se a conversa fosse direcionada para ele.
O falante
Goffman classifica como falante, o indivíduo que anima a conversa e produz o seu próprio texto, além de delimitar a sua posição.
Além disso, assim como podemos ser ouvintes ratificados ao escutar uma conversa, um participante pode brevemente falar quando não é o seu turno ou vez de utilizar a palavra.
Segundo Goffman, no momento em que falamos nos projetamos em uma capacidade presente e local, então nossos co-participantes no encontro é que terão suas responsabilidades determinadas parcialmente no seu tempo correspondente.
A plateia
Uma conversa não é o único conceito de fala, que também pode também estar presente em discursos políticos, em missas e cultos religiosos, em programas de rádio e TV, etc. Nesses casos, é comum que um único falante discurse para uma plateia, que não tem o mesmo poder de interromper uma fala que uma pessoa teria com outra em uma conversa cotidiana.
Nos casos de programas de rádio e TV, considera-se ainda a plateia ativa apenas as que participam da gravação ou transmissão ao vivo no local onde esteja sendo realizada. Os ouvintes ou telespectadores, embora estejam acompanhando a mesma fala, não podem interagir da mesma forma que uma plateia presente. Também nesses casos, é comum que os radialistas ou apresentadores coloquem seu discurso como se estivesse sendo feito para uma única pessoal, ou seja, para cada ouvinte de forma individual.
A análise do dizer e do que é dito
Ao entender os conceitos de falante e de ouvinte, podemos perceber que ambos se tratam de fatores importantes para o entendimento do footing, uma vez que podem interferir na forma como uma conversa ocorre.
Goffman critica a linguagem utilizada pelos estudiosos para tratar as questões do falar ou ouvir. Para o autor, há o entendimento de que em um discurso não é composto apenas por falantes e ouvintes, pois os demais sentidos, a situação em que o discurso ocorre, entre coisas também influencia o entendimento de uma mensagem e fazem com que o footing ocorra.
Gestos, olhares, expressões faciais, tonalidade da voz, etc. propiciam o entendimento do discurso e podem interferir na sua linearidade.
Comunicação dominante e comunicação subordinada
De maneira geral, podemos classificar a comunicação dominante como a atividade principal que ocorre em uma determinada situação. Já a comunicação subordinada é aquela que ocorre de forma paralela a uma atividade dominante.
É o caso, por exemplo, de duas pessoas que cochicham durante uma palestra, onde o discurso do palestrante é a comunicação dominante e a conversa entre os membros da plateia é uma comunicação subordinada. O mesmo ocorre quando escutamos um programa de rádio ou TV enquanto realizamos outras atividades e temos conversas paralelas.
A comunicação subordinada, por não ser uma atividade principal, pode ser interrompida a qualquer momento em que a atenção precise se voltar para aquilo em que se está sendo feito com prioridade.